Eleiçõesde 2010: o que pode mudar na política externa brasileira?
O que pode mudar na política externa brasileira? Provavelmente pouca coisa ou quase nada. A política externa brasileira tem se caracterizado por ser, essencialmente, uma política de Estado e não de governo, como ocorre com a maior parte das demais políticas públicas que, elas, incorporam um grau de ideologização bem mais pronunciado. Historicamente e, a fortiori, nos últimos vinte anos não se pode identificar rupturas significantes na prática diplomática concebida e levada a cabo pelo Itamaraty. Isto se dá por duas razões principais, uma de ordem endógena; outra de caráter exógeno.
A primeira delas, de ordem endógena, é que a política externa, apesar dos dispositivos constitucionais que a associam ao Poder Legislativo é, marcadamente, uma política do Poder Executivo. O controle efetivo do Congresso Nacional é, dessa forma, marginal e pontual, coadunando-se, no mais das vezes, com as aspirações do Palácio do Planalto, originando o que alguns especialistas denominam de diplomacia presidencial. Raros são os casos de polarização legislativa nacional, tal qual o ocorrido no Senado Federal quando da solicitação de adesão da Venezuela ao Mercosul no final de 2009. Assim, qualquer que seja o cenário legislativo resultante das eleições de 2010 - supondo-se que os partidos radicais de direita e de esquerda manter-se-ão pouco expressivos - a ideologia encerrada pelos partidos políticos, pouco importando sua inclinação, terá pouca incidência sobre os rumos da política externa. Sendo esta incidência ainda mais reduzida se considerarmos que, no rastro de uma tendência mundial, o contraste ideológico entre as principais forças políticas nacionais é por demais tênue, o binômio direita-esquerda refletindo-se apenas na retórica e não no policy making. Sem embargo, observa-se uma lealdade a-partidária quase que generalizada para com uma lógica de cunho econômico que se traduz no leitmotiv democracia de mercado.
A segunda razão, de caráter exógeno, que explica o reduzido grau de mutabilidade da política externa brasileira, está relacionada ao que Robert Keohane e Joseph Nye chamam de interdependência complexa; ou ao que Stephen Krasner designa como regimes internacionais. A ação externa do Estado encontra-se hoje, bem mais do que no passado, sujeita a uma rede complexa de constrangimentos que reduz sobremaneira a margem de manobra dos governantes, seja ele de esquerda ou de direita. Portanto, o exercício da soberania encontra-se forçado a uma auto-limitação que, caso não observada, pode implicar em um ostracismo cujas conseqüências econômicas podem ser catastróficas. Portanto, em função de sua vulnerabilidade e sensibilidade às transformações do cenário internacional, os Estados erigem conjuntos implícitos ou explícitos de princípios, normas, regras, e procedimentos de tomada de decisões em múltiplas áreas das relações internacionais. Esta rede imbricada repercute influências distintas, os Estados mais poderosos conseguindo, quase sempre - e via soft power - imprimir uma geometria que atenda aos seus interesses. Todavia, a nuança, por vezes negligenciada, é que, apesar de ter sua gênese nas veleidades dos Estados, um regime internacional dota-se, uma vez instituído, de certo grau de autonomia que, livre de soberania, opera, por um lado, conforme nexos não-estatais de índole inercial e, por outro lado, incide, através de um mecanismo de retro-alimentação sobre o próprio processo de tomada de decisão dos governos nacionais.
Ora, o Brasil vem, nos últimos anos, consolidando seu regime democrático e primando pela manutenção de sua estabilidade econômica. O que tem respondido, em grande medida, tanto aos anseios de seus cidadãos, quanto às expectativas dos seus parceiros internacionais. Esta combinação político-econômica, iniciada no governo de Fernando Henrique Cardoso e, salvo algumas poucas exceções, continuada no de Luiz Inácio Lula da Silva, alcança um equilíbrio estável, cuja mudança pode acarretar custos elevados indesejáveis. Esta blindagem diplomática aos mecanismos democráticos, em geral, e aos escrutínios, em particular, revela um pragmatismo que busca atender ao imperativo de previsibilidade, credibilidade e eficiência estabelecido pelos regimes internacionais - isto depondo, de certa maneira, contra os próprios princípios republicanos de representação, legitimidade, equilíbrio e controle mútuo entre os poderes.
É fato que o Brasil ocupa hoje, mais do que em qualquer outro momento pretérito, uma posição que conta na arena internacional. Sua robustez econômica relativa e sua estabilidade político-institucional, ambas apoiada por um corpo diplomático de carreira reconhecido internacionalmente como altamente profissionalizado e competente, o tem levado a investir com magnanimidade efetiva em estratégias de liderança regional - mesmo se, em alguns momentos, estes profissionalismo e estratégias tenham sido contagiados por uma visão míope e equivocada, provavelmente originada extra muros, a exemplo da questão hondurenha. Este engajamento regional sendo o primeiro círculo de uma concentricidade que desemboca na esfera mundial. O pleito de 2010 não deve comprometer esta tendência. A mudança, se ela acontecer, será de natureza incremental.